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4/16/2013

Com que roupa eu vou?

Quando trabalhou como promotora num evento em São Paulo, a jornalista Simone Grazielle, 30 anos, chegou a ouvir mais de uma vez, de mais de um homem: “Quanto você cobra?”. Vestia short e bota e tinha caprichado na maquiagem. Ela, no entanto, não ficou chocada – como usa frequentemente roupa curta e decote, inclusive na produtora onde trabalha, está acostumada a esse tipo de abordagem. “Se a mulher é muito exuberante, os homens acham que ela é puta”, resume Simone.

Assim como ela, outras mulheres que não se vestem de maneira sensual com o intuito de atrair a atenção da ala masculina – e sim porque gostam – têm de escutar cantadas desrespeitosas e acabam sendo rotuladas, entre outros insultos, de “vaca” e “vadia”. Em casos extremos, são agredidas fisicamente e vítimas de abuso sexual . A justificativa para muitos dos casos de violência física ou moral continua sendo a de que a mulher não deveria sair por aí exibindo o corpo. Ou seja: a culpa é dela.


E esse assunto, que parece bobo (mas não é) acaba de entrar na ordem do dia. Mulheres do mundo inteiro se rebelaram contra as agressões morais e físicas e organizaram a Marcha das Vadias (ou Slut Walk) em dezenas de cidades, como São Paulo, Nova York e Londres. Nessas passeatas, saíram às ruas com roupas provocantes e carregando cartazes com frases como: “Eu me visto para mim, não para você”.





Esse sentimento de culpa existe porque durante muito tempo o estupro era “justificável” se a mulher usasse roupas que atiçassem a libido masculina. “Até que o movimento feminista mostrou que crianças, freiras de hábitos e mulheres idosas com roupas convencionais também eram estupradas”, explica a socióloga Eva Blay, integrante do Nemge (Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de Gênero), da USP.

Foi a declaração de um policial numa universidade de Toronto, no Canadá, seguindo esta linha de raciocínio, que causou revolta e inspirou a criação da Marcha das Vadias, na mesma cidade, em abril passado. Ele afirmou que as estudantes deveriam evitar “se vestir como vagabundas” se não quisessem se tornar alvo de estupros.


No Brasil, o movimento passou por capitais como Brasília e Recife. E insurgiu contra personalidades como Rafinha Bastos, do programa CQC, que afirmou à revista Rolling Stone: “Toda mulher que vejo na rua reclamando que foi estuprada é feia pra caralho; tá reclamando do quê? Deveria dar graças a Deus”. Também foi lembrado na marcha o caso Geisy Arruda – a garota que foi alvo de agressões verbais na Uniban, em 2009, por comparecer às aulas usando um vestido curto e justo. Acabou sendo expulsa da instituição por “desrespeitar princípios éticos, a dignidade acadêmica e a moralidade”.

As frases expostas em cartazes na Marcha das Vadias, em São Paulo, inspiraram um texto do colunista da Folha de S.Paulo Marcelo Coelho, que se mostrou especialmente tocado por uma delas: Acredite ou não, minha saia curta não tem NADA a ver com você. A respeito disso, refletiu: “‘Se elas se vestem assim, como é que não querem que eu me interesse?’. Mas a ficha, ao cair, deu sua resposta a essa questão. Há muitas razões, fiquei pensando, para uma mulher usar uma minissaia espetacular. (…) Acontece que o ‘machão’, ou, arriscome a dizer, a maioria dos homens, sentese pessoalmente interpelado pela minissaia da mulher belíssima. ‘É comigo’, pensa ele. ‘Afinal, não sou o centro do mundo?’”.

A impressão é de que a sexualidade da mulher não a pertence até o momento em que ela decide, finalmente, se apropriar dela.

É na infância que a mulher geralmente tem o primeiro contato com agressões verbais, em rótulos dados por colegas da escola, como “piranha”. E não só por consequência das roupas. Mas também por beijar mais de um menino da turma – porém ao se negar a ficar com algum é provável que também seja xingada. Caso não vivencie situações como essas quando criança, durante a adolescência essas questões se renovam e ganham força. “Será que se eu transar no primeiro encontro ele vai me achar uma ‘vadia’? E se eu vestir uma calcinha fio dental, ele vai pensar que sou dada?” 

E é o que Simone Grazielle faz na prática. Ela respondia o seguinte aos homens que a abordavam no tal evento, supondo que fazia programas: “Terei de recusar seu convite porque só estou aqui para conseguir pagar minha faculdade. Minha roupa é curta, mas isso é só um detalhe. Isso não diz o que eu sou, quero e tenho, não expressa meus valores nem mede a minha inteligência”.

Fonte: Revista TPM

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